Entendendo o PL 2630/2020:Debates e Implicações para a Internet.
O tema “fake news” se tornou um objeto central nos estudos acerca de desinformação e crises democráticas. Na Comissão Europeia (2018), a desinformação é definida como “informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente o público”. O debate se tornou parte da agenda pois, com o uso das redes sociais, a disseminação de desinformação se tornou massiva, com capacidade de abalar os próprios sistemas democráticos.
No Brasil, foram as eleições de 2018 que colocaram as fake news em pauta, haja visto que a campanha de Jair Bolsonaro foi amplamente investigada pelo uso das informações falsas em redes sociais para gerar engajamento político e angariar votos. Com isso, a discussão acerca da regulamentação das redes sociais se tornou central, tanto no parlamento quanto na sociedade.
Segundo o Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), 148 milhões de brasileiros estão no Facebook, 105 milhões no YouTube, 99 milhões no Instagram e 19 milhões no Twitter. A alta quantidade de usuários nas redes sociais demonstra o impacto social que as discussões no meio digital possuem. Diante disso, o objetivo das discussões sobre a regulação das redes sociais é o enfrentamento e prevenção das fake news, por conta de seu potencial de ameaça democrática.
No Brasil, a atual lei em vigor é o Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014), que regula o ambiente digital, mas não responsabiliza das chamadas Big Techs, ou administradoras das redes sociais, pelos conteúdos veiculados por meio delas. Porém, em maio de 2020, foi apresentado no Senado Federal o PL 2630/2020, que busca instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet
O projeto de lei foi aprovado no Senado no dia 30 de junho do mesmo ano, onde partiu para discussão na Câmara dos Deputados. Durante esse trâmite, manifestações na sociedade e discussões nas sessões da câmara renderam, até o momento, 152 emendas ao texto original. As pressões sociais se dão principalmente por conta da preocupação com a liberdade de expressão dos usuários dentro de suas contas digitais.
Porém, o texto busca aplicar medidas que garantam as boas práticas, garantindo princípios citados no art. 3 (BRASIL, 2020, art. º3):
- a) a liberdade de expressão e de imprensa;
- b) a garantia dos direitos de personalidade, dignidade, honra e privacidade;
- c) o respeito à formação de preferências políticas e de uma visão de mundo pessoal do usuário;
- d) o compartilhamento da responsabilidade de preservação de uma esfera pública livre, plural, diversa e democrática;
- e) a garantia da confiabilidade e da integridade de sistemas informacionais;
- f) a promoção do acesso ao conhecimento de assuntos de interesse público;
- g) a proteção dos consumidores; e
- h) a transparência nas regras para anúncios e conteúdos patrocinados.
Ademais, o texto busca aplicar medidas de responsabilidade nas empresas administradoras, como a obrigação de vedar contas inautênticas e não identificadas. Para tal, os usuários deverão comprovar sua identidade a partir de documento de identidade válido. Além disso, as provedoras deverão concordar em tornar públicas as informações acerca de contas em desacordo com a legislação e excluir imediatamente postagens inapropriadas, como é o caso das fake news.
DEBATES E ARGUMENTOS
A principal polêmica por trás do projeto de lei é a questão da liberdade de expressão do usuário. O argumento central dessa oposição ao PL é de que entregar ao Estado a possibilidade de regulamentar as condutas pessoais dos usuários em suas redes privadas pode ser uma forma indireta, a partir de instrumentos jurídicos, de restringir a liberdade de expressão (CARVALHO, CARVALHO E FILHO, 2022).
Além disso, outro tópico amplamente debatido é a possível obrigatoriedade de comprovação de identidade por meio da inserção de documentos pessoais na plataforma. Esse ponto é criticado pois, dessa forma, os usuários não poderão criar contas anônimas, e dessa forma, toda e qualquer postagem nas redes será relacionada ao dono da conta, e, portanto, todos os aparatos legais poderão ser tomados, se for o caso. Além disso, há a justificativa de que, com esse procedimento, as Big Techs poderão fazer uma coleta massiva de dados pessoais, trazendo riscos à privacidade (RODRIGUES, BONONE, MIELLI, 2020).
Por fim, um dos pontos mais controversos é em relação aos serviços de mensageria, citado no Art n°10 (BRASIL, 2020, art. 10º):
“Os serviços de mensageria privada devem guardar os registros dos envios de mensagens veiculadas em encaminhamentos em massa, pelo prazo de 3 (três) meses, resguardada a privacidade do conteúdo das mensagens.
- 1o Considera-se encaminhamento em massa o envio de uma mesma mensagem por mais de 5 (cinco) usuários, em intervalo de até 15 (quinze) dias, para grupos de conversas, listas de transmissão ou mecanismos similares de agrupamento de múltiplos destinatários.
- 2o Os registros de que trata o caput devem conter a indicação dos usuários que realizaram encaminhamentos em massa da mensagem, com data e horário do encaminhamento e o quantitativo total de usuários que receberam a mensagem. (…)’
No caso desse artigo, relatores da OEA e ONU divulgaram moções contrárias, defendendo que sua aprovação pode oferecer um perigo à privacidade e à liberdade de expressão, além de facilitar a coleta massiva de dados de usuários.
Do lado contrário, os defensores do projeto de lei reconhecem que existe a necessidade do combate à desinformação nos meios digitais. Um dos argumentos mais utilizados é a dificuldade da grande maioria dos usuários de colocar as informações recebidas em perspectiva crítica para identificarem apenas os tópicos verdadeiros, facilitando a influência na opinião pública, porém a partir de desinformação.
Outro tópico defendido é a necessidade de um controle dentro da perspectiva eleitoral, pois, como mencionado, a campanha de Jair Bolsonaro em 2018 foi prova do poder das redes sociais como meio de propaganda eleitoral. Nesse caso em específico, a irregularidade do processo de campanha, apoiado em disparo em massa de informações falsas e ataques aos outros candidatos, foram fator central no resultado eleitoral.
CONCLUSÃO
O projeto de lei 2630/2020 ainda está em tramitação no Congresso Nacional, mas os seus tópicos já são discutidos amplamente pela sociedade civil desde sua proposta no ano de 2020. Deve-se ressaltar que existem interesses internos, tanto da classe política quanto das empresas criadoras das redes sociais, para que o PL não seja aprovado.
Isso porque a relação criada entre sociedade e redes sociais acarretou uma verdadeira indústria, que move recursos e influência na disputa de poder. No caso das, redes de financiamento e uso de bots (contas automatizadas geridas por robôs) garantem que a massificação da desinformação atinja uma quantidade enorme de usuários, aumentando a polarização dos eleitores e gerando mais rupturas na crise democrática global.
Sendo assim, a discussão acerca da regulamentação das Big Techs provavelmente não está próxima de acabar, haja visto que é uma problemática global, com interesses privados em todas as esferas impactadas. Mesmo que haja a aprovação do projeto, a perspectiva é de que o debate que confronta regulamentação e liberdade de expressão perdure por algum tempo.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Projeto de Lei 2630, de 13 de maio de 2020. Brasília, Câmara dos Deputados, 2020
COMISSÃO EUROPEIA. Combater a desinformação em linha: uma estratégia europeia. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões. COM(2018) 236 final, Bruxelas, 26 de abril de 2018. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52018DC0236&from=EN.
RODRIGUES, Theófilo . BONONE, Luana. MIELLI, Renata. DESINFORMAÇÃO E CRISE DA DEMOCRACIA NO BRASIL: é possível regular fake news? CONFLUÊNCIAS | ISSN: 1678-7145 | E-ISSN: 2318-4558 | Niterói/RJV. 22, n.3, 2020 | dez. 2020/mar. 2021 | pp. 30-52
Cunha Filho, M., Feitosa Araújo de Carvalho, P., & Carvalho, S. (2022). Fake News: Definições, tipologias e a insuficiência das respostas estatais. Revista De Estudos Empíricos Em Direito, 9, 1–35. https://doi.org/10.19092/reed.v9.705